Finalmente a imprensa passou a tratar o caso de Paula Oliveira como uma possibilidade, e não como fato real. Agora já podemos ver o bom e velho futuro do pretérito e o adjetivo “suposto” com suas variações.
Como foi bem dito no Neue Zürcher Zeitung, um dos jornais de maior prestígio na Europa, a imprensa brasileira considerou "fato, de forma irrestrita, as declarações da brasileira". Não só a imprensa, mas também o presidente Lula, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi e certamente a maioria dos brasileiros que assistem o Jornal Nacional.
Na quarta-feira passada Fátima Bernardes anunciou: “Barbárie na Suiça: brasileira é torturada por uma gangue e tem a gravidez de gêmeos interrompida.”
Impossível não se indignar diante dessa manchete. No dia seguinte o nosso presidente já esbravejava contra o governo da Suíça. De acordo com o assessor especial da Presidência da República, se o governo não tivesse reagido às informações de que uma brasileira havia sido agredida na Suíça, poderia ter sido acusado de omissão no que diz respeito à defesa da mesma. Para ele, a reação foi prudente. E o povo brasileiro, do jeito que é, teria, sim, cobrado uma postura do governo. O erro aqui não é propriamente das autoridades. Estas acreditaram na imprensa (e aqui cabe a pergunta: e não é para acreditar? Acreditar, mas não cegamente, é bom que se diga.) que, por sua vez, acreditou no pai de Paula.
Onde está o comprometimento com o fato e com a apuração do mesmo? “Não importa, a informação é de primeira mão!”. Não tiveram sequer o cuidado de deixar claro que era apenas uma possibilidade. Nada estava provado (até hoje isso está difícil), a única coisa que tinham era a declaração do pai da advogada, que se baseou no que a própria filha havia dito. Foi uma manchete imparcial que, sem querer saber, já acusou em rede nacional três neonazistas de terem agredido a brasileira. Não foi só o Jornal Nacional que fez isso, no Jornal da Band de quinta-feira passada, o âncora Ricardo Boechat se indignou com a falta de firmeza do governo brasileiro. Estão no balaio também a Folha Online, o site da BBC, o Estado de São Paulo, dentre outros meios de comunicação. Isso sem contar os inúmeros blogs existentes na Web.
Enquanto a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil critica a polícia e a imprensa suíça, os jornais suíços criticam as autoridades e a imprensa brasileira. E em meio a essa troca de gentilezas, diariamente surge um dado novo relacionado a essa suposta agressão.
A essa altura do campeonato, a sensação é de que nenhum meio de comunicação tem credibilidade para esclarecer o que realmente está acontecendo. Qualquer pessoa hoje pode ter um blog e publicar nele o que bem entender. O que nem todas as pessoas que possuem um blog entendem, é que mantê-lo implica também uma responsabilidade social. Não se pode utilizar de um espaço na internet para espalhar falsos boatos e acusações infundadas.
Muito se tem discutido acerca da não obrigatoriedade do diploma para os jornalistas. O que dizer se nem aqueles que têm diploma estão dando conta de honrar o compromisso com a verdade dos fatos?
Nos sete dias seguintes, o caso da brasileira Paula Oliveira vem sendo contado e recontado, cada hora com mais informações adicionais, contraditórias entre si, sempre sem provas concretas, deixando qualquer um confuso. O caso tomou uma proporção parecida com a de uma novela, sendo acompanhado diariamente, cada dia com uma surpresa diferente, porém com a sutil diferença de que se você perde um dia dos noticiários, entende menos ainda o que pode ter acontecido de verdade.
Para os que não se lembram do caso da Escola Base, em 1994, órgãos da imprensa publicaram reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças da Escola Base. Por fim, o inquérito policial foi arquivado por falta de provas. Não havia qualquer indício de que a denúncia tivesse fundamento, mas os seis acusados foram considerados culpados por parte da imprensa. A escola foi depredada e saqueada, os donos da escola, dois dos suspeitos, chegaram a ser presos. Atitude condenável que, apesar de levar a Rede Globo e a Folha de São Paulo a pagarem milhões de indenização, deixaram os envolvidos desmoralizados diante da sociedade.
Nem é preciso ir tão longe, há cinco meses o Brasil começou a acompanhar o caso de Eloá Pimentel. Mais uma atuação lamentável da imprensa brasileira. Justiça seja feita, dessa vez o problema foi principalmente no meio televisivo. Repórteres da Globo, da Record e da RedeTv falaram diretamente com o sequestrador Lindemberg e tentaram negociar com ele, comprometendo o trabalho da Polícia. Além disso, expuseram Eloá, que era menor de idade, e deram ibope para o sequestrador. A Globo passou a "entrevista" no Jornal Nacional do mesmo dia (15de outubro); a Record e a RedeTv conversaram ao vivo com ele. Pra quê passar tudo isso ao vivo, em rede nacional? E a pergunta carece de resposta? A RedeTv ainda exibiu um letreiro escrito “exclusivo” no canto superior esquerdo, como quem diz “A concorrência não tem acesso a isso que nós temos, então não deixe de nos assistir”. Resultado: o acontecimento virou um verdadeiro espetáculo com um desfecho trágico.
Está certo que no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, artigo 2º, consta que “a obstrução direta ou indireta à livre divulgação da informação e a aplicação de censura são delitos contra a sociedade”, mas não se pode omitir que, ainda no mesmo Código, consta também, respectivamente nos artigos 7º e 12, que o jornalista não pode “submeter-se a diretrizes contrárias à precisa apuração dos acontecimentos e à correta divulgação da informação” e que ele deve “buscar provas que fundamentem as informações de interesse público”.
A credibilidade dos meios de comunicação está em xeque. As pessoas lêem, ouvem e vêem jornais para se informar sobre o que está acontecendo, e a maioria delas, na maioria das vezes, acredita, sem consultar outra fonte além daquele jornal, ou daquele programa (e elas mal têm tempo pra isso). Então, já é hora de ter mais cuidado com as informações que chegam às redações. Onde está o processo mais importante do fazer jornalístico, a apuração? Não queremos que casos como o da Escola Base se repitam.