Libertinagem de imprensa

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009 — 3 comment(s)


Finalmente a imprensa passou a tratar o caso de Paula Oliveira como uma possibilidade, e não como fato real. Agora já podemos ver o bom e velho futuro do pretérito e o adjetivo “suposto” com suas variações.
Como foi bem dito no Neue Zürcher Zeitung, um dos jornais de maior prestígio na Europa, a imprensa brasileira considerou "fato, de forma irrestrita, as declarações da brasileira". Não só a imprensa, mas também o presidente Lula, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi e certamente a maioria dos brasileiros que assistem o Jornal Nacional.
Na quarta-feira passada Fátima Bernardes anunciou: “Barbárie na Suiça: brasileira é torturada por uma gangue e tem a gravidez de gêmeos interrompida.”
Impossível não se indignar diante dessa manchete. No dia seguinte o nosso presidente já esbravejava contra o governo da Suíça. De acordo com o assessor especial da Presidência da República, se o governo não tivesse reagido às informações de que uma brasileira havia sido agredida na Suíça, poderia ter sido acusado de omissão no que diz respeito à defesa da mesma. Para ele, a reação foi prudente. E o povo brasileiro, do jeito que é, teria, sim, cobrado uma postura do governo. O erro aqui não é propriamente das autoridades. Estas acreditaram na imprensa (e aqui cabe a pergunta: e não é para acreditar? Acreditar, mas não cegamente, é bom que se diga.) que, por sua vez, acreditou no pai de Paula.
Onde está o comprometimento com o fato e com a apuração do mesmo? “Não importa, a informação é de primeira mão!”. Não tiveram sequer o cuidado de deixar claro que era apenas uma possibilidade. Nada estava provado (até hoje isso está difícil), a única coisa que tinham era a declaração do pai da advogada, que se baseou no que a própria filha havia dito. Foi uma manchete imparcial que, sem querer saber, já acusou em rede nacional três neonazistas de terem agredido a brasileira. Não foi só o Jornal Nacional que fez isso, no Jornal da Band de quinta-feira passada, o âncora Ricardo Boechat se indignou com a falta de firmeza do governo brasileiro. Estão no balaio também a Folha Online, o site da BBC, o Estado de São Paulo, dentre outros meios de comunicação. Isso sem contar os inúmeros blogs existentes na Web.
Enquanto a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil critica a polícia e a imprensa suíça, os jornais suíços criticam as autoridades e a imprensa brasileira. E em meio a essa troca de gentilezas, diariamente surge um dado novo relacionado a essa suposta agressão.
A essa altura do campeonato, a sensação é de que nenhum meio de comunicação tem credibilidade para esclarecer o que realmente está acontecendo. Qualquer pessoa hoje pode ter um blog e publicar nele o que bem entender. O que nem todas as pessoas que possuem um blog entendem, é que mantê-lo implica também uma responsabilidade social. Não se pode utilizar de um espaço na internet para espalhar falsos boatos e acusações infundadas.
Muito se tem discutido acerca da não obrigatoriedade do diploma para os jornalistas. O que dizer se nem aqueles que têm diploma estão dando conta de honrar o compromisso com a verdade dos fatos?
Nos sete dias seguintes, o caso da brasileira Paula Oliveira vem sendo contado e recontado, cada hora com mais informações adicionais, contraditórias entre si, sempre sem provas concretas, deixando qualquer um confuso. O caso tomou uma proporção parecida com a de uma novela, sendo acompanhado diariamente, cada dia com uma surpresa diferente, porém com a sutil diferença de que se você perde um dia dos noticiários, entende menos ainda o que pode ter acontecido de verdade.
Não é de hoje que a imprensa brasileira tem se valido do pior inimigo do jornalismo para divulgar informações: a pressa. Juntamente com isso, entra a concorrência entre as emissoras de tevê, de rádio e de jornais, e o dinamismo proporcionado pela internet. Ganha quem der a notícia primeiro.
Para os que não se lembram do caso da Escola Base, em 1994, órgãos da imprensa publicaram reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças da Escola Base. Por fim, o inquérito policial foi arquivado por falta de provas. Não havia qualquer indício de que a denúncia tivesse fundamento, mas os seis acusados foram considerados culpados por parte da imprensa. A escola foi depredada e saqueada, os donos da escola, dois dos suspeitos, chegaram a ser presos. Atitude condenável que, apesar de levar a Rede Globo e a Folha de São Paulo a pagarem milhões de indenização, deixaram os envolvidos desmoralizados diante da sociedade.
Nem é preciso ir tão longe, há cinco meses o Brasil começou a acompanhar o caso de Eloá Pimentel. Mais uma atuação lamentável da imprensa brasileira. Justiça seja feita, dessa vez o problema foi principalmente no meio televisivo. Repórteres da Globo, da Record e da RedeTv falaram diretamente com o sequestrador Lindemberg e tentaram negociar com ele, comprometendo o trabalho da Polícia. Além disso, expuseram Eloá, que era menor de idade, e deram ibope para o sequestrador. A Globo passou a "entrevista" no Jornal Nacional do mesmo dia (15de outubro); a Record e a RedeTv conversaram ao vivo com ele. Pra quê passar tudo isso ao vivo, em rede nacional? E a pergunta carece de resposta? A RedeTv ainda exibiu um letreiro escrito “exclusivo” no canto superior esquerdo, como quem diz “A concorrência não tem acesso a isso que nós temos, então não deixe de nos assistir”. Resultado: o acontecimento virou um verdadeiro espetáculo com um desfecho trágico.
Está certo que no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, artigo 2º, consta que “a obstrução direta ou indireta à livre divulgação da informação e a aplicação de censura são delitos contra a sociedade”, mas não se pode omitir que, ainda no mesmo Código, consta também, respectivamente nos artigos 7º e 12, que o jornalista não pode “submeter-se a diretrizes contrárias à precisa apuração dos acontecimentos e à correta divulgação da informação” e que ele deve “buscar provas que fundamentem as informações de interesse público”.
A credibilidade dos meios de comunicação está em xeque. As pessoas lêem, ouvem e vêem jornais para se informar sobre o que está acontecendo, e a maioria delas, na maioria das vezes, acredita, sem consultar outra fonte além daquele jornal, ou daquele programa (e elas mal têm tempo pra isso). Então, já é hora de ter mais cuidado com as informações que chegam às redações. Onde está o processo mais importante do fazer jornalístico, a apuração? Não queremos que casos como o da Escola Base se repitam.

Democracia às avessas

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009 — 8 comment(s)
Não satisfeito com o resultado do referendo de 2007, contrário às reeleições ilimitadas para a presidência, mais uma vez Hugo Chávez coloca o assunto em pauta, dessa vez incluindo todos os cargos públicos do país. É claro que ele não ia desistir. Conseguiu, e mesmo que não tivesse conseguido, o mesmo referendo voltaria a acontecer, quantas vezes fosse preciso.
Parece estranho que da última vez o “não” tenha ganhado e agora, com a população bem mais conscientizada do que há dois anos, tenha perdido. A explicação é mais simples do que parece: o número de chavistas votando na época foi muito pequeno, insuficiente para superar o número de pessoas que se opunham. Na verdade, não foi a oposição quem ganhou, foi o governo quem perdeu. E isso pode até ter fortalecido o governo de Chávez a médio e longo prazo, mas também preocupou. Hoje o número de pessoas que foram as urnas dizer não é significativo.
Na Venezuela a democracia parece um mar de rosas. Lá o voto é facultativo, todos os cidadãos são livres para irem, ou não, às urnas e votar. Eles podem escolher se querem escolher. Porém, mesmo que valores democráticos como a pluralidade e a diversidade políticas estejam previstos na Constituição, isso parece não fazer diferença. Muitos podem pensar: “mas muitas constituições são alteradas e ajustadas, e por vezes o povo sequer é consultado para isso, pelo menos Chávez está consultando o povo”. Papo furado! Ele está “permitindo” que a população decida, democraticamente, se quer acabar com mais um pilar da democracia ou não. Francamente! O que o atual presidente da Venezuela faz e propõe nada mais é que uma democracia extremamente maquiada, cuja verdadeira face os cidadãos venezuelanos mal conseguem se lembrar. E vivem essa democracia que é mostrada a eles, contentados, crentes que governo mais democrático não há. Na prática, a teoria é outra.
Falar em um golpe soa muito agressivo, mas Chavéz está caminhando cuidadosamente para conseguir o que quer, governar a Venezuela durante os próximos 40 anos. Não é exagero, durante a campanha, Chávez chegou a afirmar que pretende governar até 2049.
Foram necessárias chantagens baratas de que sem ele haverá guerra e caos. Intolerância e desrespeito às forças de oposição. O presidente controla todos os poderes e até mesmo a Assembléia Nacional está submetida às suas vontades. Fica difícil agir com as mãos amarradas, mas estão lutando contra como podem. E depois do resultado deste referendo, parece que estão cada vez mais perto de conseguir. Sobra para quem protagonizar essa luta? Para os estudantes, claro, que vêem seu país cada vez mais ultrapassado e enterrado em uma (ainda não considerada) ditadura perpétua e repetitiva.
Muito deveria admirar que Chávez tenha conseguido dessa vez. O tráfico de drogas tem envolvimento com a polícia venezuelana e a criminalidade continua crescendo: em 10 anos o número de homicídios quase triplicou. No ano passado a inflação atingiu quase 32% (precisamente 31,7%), a maior porcentagem da América do Sul. E se o governo de Chávez conseguiu reduzir o índice de pobreza pela metade no país (o que é louvável), ele deve isso não a atos de seu governo, mas ao fato de a Venezuela ser o maior exportador de petróleo da América Latina e o quarto maior fornecedor dos EUA. O que está custeando os projetos sociais é justamente o petróleo. Se não fosse por isso, estavam perdidos os venezuelanos.
Hugo Chávez está brincando de democracia com seus bonecos-cidadãos e sendo cada vez mais mimado. Mais uma vontade sua foi satisfeita. Veremos até quando Chávez levará sua “Revolução Bolivariana” adiante.


Foi dada a largada

domingo, 15 de fevereiro de 2009 — 1 comment(s)

Não é à toa que, entre as personalidades brasileiras, além de Lula, a ministra Dilma Rousseff ganha cada vez mais espaço entre as máscaras mais vendidas aqui. Se o PSDB quiser garantir uma máscara do seu candidato para o próximo carnaval, vai ter que descruzar os braços e resolver logo quem disputará a presidência pela legenda.
O ex-prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, já falou que “para o presidente Lula, a candidatura de Dilma são favas contadas”. Lula não possui plano B, mas desde já trabalha com o único que tem. A oposição já vinha se irritando com essa festa que estão fazendo com Dilma Rousseff, mas a gota d’água aconteceu durante a semana passada, no encontro nacional de prefeitos, em que havia um estande fazendo o papel ridículo de vender fotomontagens de Lula e Dilma por R$30. O próprio presidente do PT, Ricardo Berzoini, já afirmou que Dilma Rousseff é “a mulher que vai liderar a luta do projeto petista em 2010”. Não há mais o que ser decidido. Com um PT unido e confiante, o Lula está sim, se aproveitando do fato de Dilma ser a gestora do PAC para promover sua imagem. Legalmente (e teoricamente) não há nada de errado. O que tem de errado em permitir que o gestor de um programa do governo visite e fiscalize o andamento das obras?
Não há dúvidas de que o governo está trabalhando e agindo. Acontece que, em um momento de crise, em que as pessoas estão perdendo o emprego, surge a figura de Dilma, constantemente ligada a alcunha de “mãe do PAC”. Uma figura materna e, por isso, de peso, tendo por Lula suas virtudes exaltadas.
Poucas oportunidades de a ministra marcar presença são perdidas, assim ela aparece e torna-se cada vez mais conhecida. Caso contrário, ela não teria conseguido aumentar 10 pontos percentuais de aprovação em apenas um ano, sem campanha eleitoral, propriamente dita. A ministra esta sendo constantemente elogiada. Na internet já surgiu o site “Os amigos da presidente Dilma”, com o slogan “Sou a favor do terceiro mandato de Lula, por isso voto em Dilma”. Ela conta com o apoio do atual presidente, que tem 84% de aprovação no seu governo. Foi dada a largada e o PSDB ainda está escolhendo o piloto.
Lula está sendo constantemente acusado de propaganda eleitoral antecipada, procedimento este proibido pela legislação eleitoral. Independente disso, fato é que há uma campanha visível da parte do presidente Lula e favorável a pessoa de Dilma Rousseff. Em vez de ficarem chorando pelo leite derramado, o PSDB deveria agilizar as discussões internas e decidir o seu candidato de uma vez. Enquanto reclamam e não aparecem para o público, Dilma continua sorrindo, sendo ovacionada por todos os cantos onde o PAC existe e “abençoada” pelo presidente Lula.
Mesmo sob a indecisão do partido, Aécio e Serra já estão tirando as cartas de suas respectivas mangas e, ao que parece, Serra é o que tem o melhor jogo para ser o escolhido e disputar com Dilma e com os outros possíveis candidatos. E apesar de Aécio afirmar que aproximaria o partido do PMDB, Serra anunciou há três dias um pacote de medidas (criticado inclusive pelos petistas)para estimular a economia paulista, semelhante ao que Lula está desenvolvendo no âmbito federal com o PAC.
De nada adianta essa disputa interna. Fernando Henrique Cardoso, líder experiente do PSDB, já cansou de alertar sobre o tamanho da encrenca. O partido precisa, e com urgência, decidir o candidato representante para começar a competir no mesmo nível com o PT. Se o que Lula está fazendo é irregular ou não, lamentavelmente agora não importa mais, pois ele está fazendo e já disse que não pretende parar. A corrida pela presidência já começou. Nesse caso, a máxima de que “se você não pode com seus inimigos, junte-se a eles” faz-se necessária. Caso contrário, a popularidade de Dilma continuará crescendo nas pesquisas de opinião e o candidato escolhido do PSDB começará uma luta em desvantagem, com grandes chances de ser derrotado.

Eluana Englaro descansa em paz, mas e a Itália?

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009 — 2 comment(s)
Não é de hoje que a eutanásia divide opiniões no mundo todo. Há dez anos a família de Eluana Englaro lutava na Justiça para que permitissem a sua eutanásia. Desde o dia 18 de maio de 1992 ela permanecia em estado vegetativo, recebendo alimentação e hidratação artificial.

Enfim, anteontem, o mundo recebeu a notícia de sua morte. Ou seria de seu assassinato? A Igreja Católica transformou o fato em uma verdadeira narrativa de atentado cruel contra a vida humana. Entre os políticos, a questão deixou de ser o direito à vida e à morte, e passou a ser cada vez mais oportunamente política. De um lado, o presidente da Itália, Giorgio Napolitano, a favor da eutanásia e do lado da família de Eluana, que queria por fim ao sofrimento de 17 anos. De outro, o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, completamente contrário a permitir a morte de Eluana. E do lado de fora, doido para entrar na briga e pondo cada vez mais lenha na fogueira, Walter Veltroni, principal rival de Berlusconi. Napolitano, do Partido dos Democratas da Esquerda. Berlusconi, do Partido da Liberdade, da centro-direita. Walter Veltroni, do Partido Democrata, logicamente afim do partido presidencial.

Mas então, resolvido o problema? Não. Primeiramente porque antes disso Berlusconi propôs um decreto-lei que impedia a eutanásia, porém vetado pelo Presidente. Não satisfeito, o primeiro-ministro italiano tentou impedir o desligamento dos aparelhos através de um projeto de lei enviado com urgência ao Senado, onde detém maioria. Enquanto o projeto era debatido, Eluana faleceu. Talvez bem mais do que uma disputa política, até então, travou-se um embate de convicções pessoais. Uns defendendo e outros acusando a prática da eutanásia.

Respeito é bom e todo mundo gosta; e enquanto toda essa disputa (política ou não) acontecia, um pai lutava legalmente para tirar a vida de sua filha e diminuir o sofrimento que já se estendia por 17 anos. Uma luta que, quanto mais se alongava, mais sofrível se tornava. Pois bem, o senhor Giuseppe Englaro conseguiu a autorização judicial e sua filha já descansa em paz.

Agora o que não faltarão serão oportunidades para Walter Veltroni, líder do Partido Democrata e de oposição (aqueeele que concorreu a primeiro-ministro italiano com Berlusconi no ano passado!) acusar o rival de irresponsável e afirmar que suas atitudes estão revestidas de intenções políticas. E se forem intenções políticas, o que Veltroni está fazendo é, nada mais, nada menos, do que se aproveitar disso para tentar diminuir a popularidade do primeiro-ministro. Veltroni agora “deita e rola” afirmando que Berlusconi queria apenas gerar um crise institucional. Pelo visto conseguiu. Agora é Governo versus Presidência. (E pensar que quando competiam a primeiro-ministro da Itália, falava-se até em uma aliança entre os dois. Seria o governo Veltrusconi. A possibilidade de aliança, porém, só existiu devido a interesses parecidos, e somente sob a circunstância de um deles não vencer a eleição com uma maioria clara e significativa). E, como se não bastasse, o país, de maioria católica, ainda sofre constantemente com as pressões do Vaticano, que se opôs a atitude do presidente Napolitano.

A eutanásia continuará causando polêmica pelo mundo inteiro, mas se aproveitar de uma situação como essa para ações políticas já é demais. Por mais que todos eles neguem qualquer pensamento político por trás das ações, quando um usa o que o outro faz para acusá-lo, não como ser humano, mas como político, ele já está agindo politicamente.

"Yes, we can!"

terça-feira, 27 de janeiro de 2009 — 5 comment(s)
Montagem com palavras do discurso de posse de Obama:
quanto maior a palavra, mais ela foi pronunciada
(Foto: Reprodução/Site Wordle.net)


Finalmente parece que há evidências promissoras de um futuro melhor. Aliás, é necessária evidência maior do que um negro ser eleito presidente dos Estados Unidos da América? Maior não, mas queremos mais evidências. Por enquanto sete dias é pouco tempo para o que Obama tem prometido fazer, ou melhor, tentar fazer.
O governo americano deixa de ser republicano e passa a ser democrata, deixa, enfim, de ser branco e passa a ser negro. Esse último detalhe não deveria importar, mas as circunstâncias o tornam histórico. Muitos vão dizer que é puro racismo fazerem tanta festa pelo fato de um negro conseguir ser presidente. Estes esquecem que o fato principal não é o que esse negro conquistou, mas onde conquistou. Há quase 60 anos, nos Estados Unidos da América, brancos e negros não podiam frequentar os mesmos ambientes, não podiam beber água no mesmo bebedouro, não podiam sequer utilizar a mesma bíblia para rezar. O racismo era, de certa forma, comandado pelo Estado, e por isso há uma semana, oficialmente, os EUA conseguiram vencer parte da guerra contra o preconceito. Aliás, é bom que se diga que o fato de o presidente ser negro não deve significar (e de acordo com Obama não significa) que será um governo para os negros. O principal discurso é o da unidade racial. Talvez por isso alguns digam que o Brasil é o país mais racista do mundo, porque o racismo daqui parece ser indestrutível. Está camuflado e constantemente omitido. Está onde ninguém vê e assim fica difícil combater.
Agora, vai saber o que aqueles racistas extremistas não devem estar pensando hoje, vendo o comando de seu país ser tomado pelas mãos de um negro. Esses não importam muito, deve-se pelo menos ter o cuidado para não fazerem com Obama o que fizeram com Martin Luther King. Pode parecer pessimismo demais pensar nisso, mas o que aconteceu foi um ato simples, King foi assassinado por um branco racista. “Eles pegaram a sua vida. Eles não poderiam pegar o seu orgulho”, já diria Bono Vox, em sua música que homenageia o líder. E não pegaram. O discurso de Martin Luther King se perpetuou em livros, jornais, está disponível na internet e, o mais importante, está em discursos políticos como o de Obama, sendo falado e seguido pelo mundo afora. O atual presidente dos EUA prometeu seguir a mesma linha pacífica de King e lembrou em seu discurso de posse que “as gerações anteriores encararam o fascismo e o comunismo não apenas com mísseis e tanques, mas com alianças resolutas e convicções duradouras” (na terceira página).
Além do pomposo discurso de Obama, temos pontos indiscutíveis, como o fato de ele ter vivido e estudado em um colégio muçulmano. Obama nega ter conexão com o Islã, “contudo os muçulmanos não vêem a prática como chave. Para eles, o fato dele ter nascido de uma linhagem de homens muçulmanos o faz muçulmano de nascença. Mais do que isso, todas as crianças nascidas com um nome árabe baseado na raiz trilateral H-S-N (Hussein, Hassan, e outros) pode ser considerado muçulmano, portanto eles entenderão que o nome completo de Obama, Barack Hussein Obama, é o suficiente para proclamá-lo muçulmano de nascença” (texto na íntegra). Independente disso, fato é que Obama teve contato com muçulmanos -além de ser considerado um, por eles- e, como ele mesmo afirmou, isso é bom pois permite que ele veja como esse povo pensa e assim estabeleça uma relação melhor com o Oriente Médio. O presidente falou em respeito em seu discurso, coisa que nem de longe víamos com Bush. (“Ao mundo muçulmano: buscamos uma nova trilha adiante, baseada em interesses mútuos e respeito mútuo.” – também na terceira página).
Barack Obama falou com convicção, com realismo e com sentimento, mas é preciso mais do que palavras. O mundo todo precisa que seus atos tenham as mesmas características. Um slogan socialista comandou a campanha a presidência de um país ferrenhamente capitalista. Todos que acreditam em uma verdadeira mudança podem estar completamente enganados, mas hão de convir que só o fato de a população ter escolhido um negro como seu representante sob tanta história contraposta já é uma mudança e tanta na consciência do povo americano, e isso não pode ser desconsiderado. A mudança a que me refiro aqui, é no que diz respeito à humanidade, não propriamente à política. Talvez o povo não se torne tão mais humano, mas certamente Obama vai limpar a imagem que Bush tanto sujou enquanto o representava.
O importante é que o povo americano quis pagar pra ver.

Tão perto que chega a doer

terça-feira, 6 de janeiro de 2009 — 3 comment(s)

O amor existe? E se existir, ele acaba? O amor é suficiente? Seria o amor uma mentira? Essas e muitas outras perguntas perturbam a todos que se atrevem a assistir “Closer”. O filme, do diretor Mike Nichols, foi produzido em 2004, inspirado em uma peça homônima, escrita pelo inglês Patrick Marber, em 1997. Nichols já dirigiu as comédias “De Que Planeta Você Veio?” e “A Gaiola das Loucas”, mas Closer é completamente diferente do enredo de ambos. A primeira surpresa reside na existência de apenas quatro personagens, nada convencionais. O filme se passa em Londres, onde quatro desconhecidos têm suas vidas enredadas de uma hora para outra.
Anna (Julia Roberts) é uma fotógrafa, Larry (Clive Owen) é um dermatologista, Dan (Jude Law) é um jornalista que escreve em obituários e Alice (Natalie Portman) é uma stripper. Seus dramas pessoais são destrinchados em uma trama densa, tudo completamente interligado. Mike Nichols parte das relações contemporâneas e através da história de Marber coloca tudo que todos sempre acreditaram à prova.
Alice conhece Dan depois de um acidente de carro. Anna fotografa Dan para a orelha de seu livro, inspirado em sua namorada, Alice. Porém, no estúdio, Anna e Dan se beijam e ele se apaixona. Alice e Anna se conhecem. Larry freqüenta sites de bate-papo. Dan conversa com ele e marca um encontro se passando por Anna em um lugar onde ela sempre vai para fotografar pessoas. Larry e Anna então se conhecem e se envolvem. Tudo isso ocorre através de cortes e inserções atemporais. As relações muitas vezes são mantidas por uma mera questão de conveniência. As cenas são dinâmicas e carregadas de sentimento e de franqueza. Os fatos não acontecem ao mesmo tempo, aliás, chega a ser difícil precisar o tempo que se passa entre uma situação e outra.
Um filme diferente de tudo o que já foi produzido no que diz respeito ao amor. O nome “closer” significa “mais perto” - no complemento do título: "Perto demais" -, mais perto das fraquezas e das dúvidas humanas. Tão perto que chega a parecer falta de cerimônia. As mentiras que tentamos dizer, as traições que não conseguimos esconder, os detalhes mórbidos de tudo que nossa existência humana insiste em querer saber; tudo isso é explorado a fundo no filme. Os diálogos são enérgicos e verdadeiros, com declarações que beiram a indiferença. Os casais, nunca constantes, estão sempre descobrindo sentimentos novos, baseados em relações de interesse mútuas. Quando o amor acaba, simplesmente vão embora. Para os românticos, o filme levanta uma bandeira contra o amor. Porém, sob um olhar atento, a história aborda vários casos cujos personagens não estão certos do que sentem. Como qualquer pessoa, Anna, Larry, Dan e Alice se vêem perdidos em sentimentos -bons e ruins- e mal sabem se o que sentem é mesmo amor. Lidam constantemente com dúvidas, mas não deixam de viver o que quer que seja isso.
Certamente não é um filme para todos os gostos. O filme chega a soar grosseiro para os acostumados com as comédias românticas tradicionais. Estes, inclusive, certamente estranharão Julia Roberts na pele da introspectiva Anna. É uma produção ousada com tudo para desagradar um público treinado para risadas e finais felizes.
Se alguém assiste ao filme esperando encontrar uma história de amor salpicada de situações engraçadas, estará perdendo seu tempo. Closer é um filme cru. Não possui um final feliz, possui um final real. Expõe toda a frieza que uma relação pode carregar, mas contém todo o calor que o amor verdadeiro e a paixão podem ter e serem capaz de provocar. Uma lição fica após assistir ao filme: o amor pode até existir, mas certamente não é como Hollywood tenta nos fazer acreditar que é.


"Assim caminha a humanidade"

domingo, 4 de janeiro de 2009 — 0 comment(s)
Bush tem hoje, nos Estados Unidos, um papel semelhante ao de Collor, aqui no Brasil, há dezessete anos: o de provocar indignação no povo e de levá-lo a agir. Através de linhas tortas, a história talvez esteja tomando um rumo certo agora, ou pelo menos melhor. Foi preciso os Estados Unidos passarem por tudo o que passaram para que a população sentisse vontade de participar ativamente de um processo de mudança.
Bush começou seu governo de vento em poupa. Logo no final do primeiro ano de seu mandato, após os atentados de 11 de setembro de 2001, o presidente encerrou o ano com mais de 90% de apoio popular. Até aí tudo bem, normalmente em período de guerra a população costuma apoiar o governo. Bush conseguiu manter esse apoio por mais um ano depois dos atentados, mas não foi suficiente. Em 2003 os índices de aprovação começaram a decair e, em 2007, Bush já era considerado o presidente mais impopular das últimas décadas. Não só a população americana, mas o mundo, estavam contra Bush. A imagem de um país egoísta e despreocupado com as questões mundiais foi instaurada e Bush colaborou, e muito, para que o mundo se tornasse tão anti-americano.
Surge então a figura de Barack Obama que, com a promessa de mudança, se elege presidente da maior potência mundial. Todo esse frisson sobre a eleição de Obama não está ocorrendo pelo fato de que ele é a promessa de mudança. Não! Imagine: um negro eleito presidente em um país que há anos separava os bebedouros de negros e brancos. A mudança que Obama carrega consigo é o reflexo da mudança de consciência do povo americano, e isso já é uma conquista e tanta! Quem poderia imaginar: um país considerado tão racista elegendo um representante negro.
Foi preciso Bush invadir o Iraque atrás de petróleo, ignorar o Protocolo de Kyoto e construir uma imagem tão negativa dos Estados Unidos, para que a população se desse conta do problema ali instaurado.
É a velha história de a necessidade fazer o sapo pular. A população dos Estados Unidos se viu na obrigação de fazer alguma coisa pelo país e de escolher um presidente que não fosse correligionário de Bush. Pode ter sido falta de opção no começo, mas depois, com uma simpatia internacional poucas vezes vista, Obama ganhou cada vez mais espaço, até chegar a presidência dos EUA.
Depois de tanta tempestade, finalmente a bonança. Ou pelo menos uma trégua, com a promessa de que nuvens escuras não irão se aproximar tão cedo da potência.
Agora é esperar e lutar para que o sonho de Martin Luther King seja mesmo o de Obama, e que se realize. Assim como Collor, George Bush sai da presidência pela porta dos fundos, mas tendo feito um grande favor à humanidade.

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Postado aqui, em 28 de novembro de 2008.
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"Dá licença, mas eu vou sair do sério!"

(...) Tenho certeza que esse ano será diferente. Nunca me senti tão corajosa e decidida na minha vida. Estou disposta a sentir qualquer tipo de dor. Aliás, tem tanto tempo que não sinto dor, de fato... Sinto como se eu fosse uma bochecha anestesiada por reflexo da anestesia da raiz do dente. Talvez minha decisão não passe de duas semanas, mas não acredito e nem quero que seja assim. Quem ficar ao meu lado verá. Quem ler esse blog provavelmente também.
E já que toquei no assunto, quem ler esse blog é melhor que rasgue tudo depois, mas usa o lixo pra reciclagem. :)

Feliz ano 2009.