Não é de hoje que a eutanásia divide opiniões no mundo todo. Há dez anos a família de Eluana Englaro lutava na Justiça para que permitissem a sua eutanásia. Desde o dia 18 de maio de 1992 ela permanecia em estado vegetativo, recebendo alimentação e hidratação artificial.
Enfim, anteontem, o mundo recebeu a notícia de sua morte. Ou seria de seu assassinato? A Igreja Católica transformou o fato em uma verdadeira narrativa de atentado cruel contra a vida humana. Entre os políticos, a questão deixou de ser o direito à vida e à morte, e passou a ser cada vez mais oportunamente política. De um lado, o presidente da Itália, Giorgio Napolitano, a favor da eutanásia e do lado da família de Eluana, que queria por fim ao sofrimento de 17 anos. De outro, o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, completamente contrário a permitir a morte de Eluana. E do lado de fora, doido para entrar na briga e pondo cada vez mais lenha na fogueira, Walter Veltroni, principal rival de Berlusconi. Napolitano, do Partido dos Democratas da Esquerda. Berlusconi, do Partido da Liberdade, da centro-direita. Walter Veltroni, do Partido Democrata, logicamente afim do partido presidencial.
Mas então, resolvido o problema? Não. Primeiramente porque antes disso Berlusconi propôs um decreto-lei que impedia a eutanásia, porém vetado pelo Presidente. Não satisfeito, o primeiro-ministro italiano tentou impedir o desligamento dos aparelhos através de um projeto de lei enviado com urgência ao Senado, onde detém maioria. Enquanto o projeto era debatido, Eluana faleceu. Talvez bem mais do que uma disputa política, até então, travou-se um embate de convicções pessoais. Uns defendendo e outros acusando a prática da eutanásia.
Respeito é bom e todo mundo gosta; e enquanto toda essa disputa (política ou não) acontecia, um pai lutava legalmente para tirar a vida de sua filha e diminuir o sofrimento que já se estendia por 17 anos. Uma luta que, quanto mais se alongava, mais sofrível se tornava. Pois bem, o senhor Giuseppe Englaro conseguiu a autorização judicial e sua filha já descansa em paz.
Agora o que não faltarão serão oportunidades para Walter Veltroni, líder do Partido Democrata e de oposição (aqueeele que concorreu a primeiro-ministro italiano com Berlusconi no ano passado!) acusar o rival de irresponsável e afirmar que suas atitudes estão revestidas de intenções políticas. E se forem intenções políticas, o que Veltroni está fazendo é, nada mais, nada menos, do que se aproveitar disso para tentar diminuir a popularidade do primeiro-ministro. Veltroni agora “deita e rola” afirmando que Berlusconi queria apenas gerar um crise institucional. Pelo visto conseguiu. Agora é Governo versus Presidência. (E pensar que quando competiam a primeiro-ministro da Itália, falava-se até em uma aliança entre os dois. Seria o governo Veltrusconi. A possibilidade de aliança, porém, só existiu devido a interesses parecidos, e somente sob a circunstância de um deles não vencer a eleição com uma maioria clara e significativa). E, como se não bastasse, o país, de maioria católica, ainda sofre constantemente com as pressões do Vaticano, que se opôs a atitude do presidente Napolitano.
A eutanásia continuará causando polêmica pelo mundo inteiro, mas se aproveitar de uma situação como essa para ações políticas já é demais. Por mais que todos eles neguem qualquer pensamento político por trás das ações, quando um usa o que o outro faz para acusá-lo, não como ser humano, mas como político, ele já está agindo politicamente.
2 comentários:
Por que o desejo de pais que sofrem a tantos anos não pode ser colocado em primeiro lugar? Algumas disputas políticas talvez pudessem servir para debater boas soluções para novos problemas, mas nesse caso não passa de uma grande sacanagem. Usar a dor alheia para se promover, pra criar um circo? Porque no fim das contas não passa disso. Que a moça descanse em paz. E que seus pais possam lembrar dela com carinho. E só.
Todos esses debates que envolvem bioética são sempre muito polêmicos. Em muitos deles a própria discussão já envolve um tabu. As pessoas que estão a favor de uma posição diferente da que está vigorando são mal vistas e seus argumentos são, muitas vezes ignorado.
Esse caso de Eluana Englaro é bastante emblemático porque nos faz pensar até sobre a efetividade dos debates. No caso, o que deveria ser pano de fundo de uma polêmica se tornou a questão central. Nessas horas que eu fico me perguntando se ao discutirmos ideias não estamos apenas colocando azeitona da empada dos outros. Nós inocentes pensamos se tratar de um real drama humano, mas na verdade, tem gente que não se importa muito com reais dramas humanos, eles só querem poder. As vezes penso que quando discutimos e nos posicionamos dessa ou daquela forma estamos apenas ajudando um grupo ou outro a obter algum tipo de poder. Isso é muito triste.
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